sábado, 14 de junho de 2014

13. Uma ideia com futuro



No dia seguinte, o Vitorino estava a pensar. E isto, devo dizê-lo, não era uma coisa comum, porque o Vitorino não gostava de pensar. Mas os acontecimentos do dia anterior tinham sido muito impressionantes para ele. Nunca podia imaginar que os animais pudessem dançar capoeira. Ninguém ia acreditá-lo.
A dona Elvira entrou, muito preocupada.
- Vitorino, filho, acho que tenho de vender a quinta. O dinheiro que me deram pelo Rui não foi suficiente para pagar tudo o que devia. Os gastos da quinta são cada vez maiores. Agora tenho de comprar uma porta nova para a casa dos animais. Infelizmente, não vejo nenhuma outra solução. Tu também tens de encontrar um outro trabalho. Eu não tenho bastante dinheiro para ter empregados. Aliás, sou velha e não posso trabalhar como dantes... Sinto muito, filho.
O Vitorino ficou muito triste. A dona Elvira era uma boa patroa e tratava-o como um filho. Onde ia encontrar um outro trabalho? Talvez tivesse de ir-se embora. Talvez tivesse de deixar a sua querida aldeia. Mas naquele mesmo momento, uma luz acendeu na sua cabeça: teve uma ideia. Porque vender uma quinta com animais que dançavam capoeira?

A notícia, que na quinta da dona Elvira os animais dançavam capoeira, correu pela aldeia toda. Todos passaram por lá e todos ficaram maravilhados.
- Que espectáculo! disseram.
- O mundo inteiro deve ver estes animais maravilhosos, disse o Vitorino à dona Elvira. Todos o dizem. A senhora vai ver: todos vão querer vê-los, e todos vão pagar bilhete. A senhora nunca mais deverá vender a quinta.
E assim foi feito. A quinta da dona Elvira tornou-se muito famosa, e os seus animais tornaram-se muito famosos também. Pessoas de todo o mundo iam à quinta para ver o espectáculo, e todas saíam satisfeitas.
A dona Elvira e o Vitorino ganharam muito dinheiro. Os animais da quinta sempre tinham a melhor comida, tanta comida que bastava também para o Rodrigo e todos os seus.
E a Célia? O que aconteceu com a Célia? Pois, a Célia tornou-se uma galinha inteligente, e quando teve filhos próprios, sempre respondia às perguntas dos seus pintainhos. E, obviamente, ensinou-lhes a dançar a capoeira.



FIM

quarta-feira, 11 de junho de 2014

12. Uma noite de meia-lua



E chegou uma noite com meia-lua, para satisfazer aqueles que queriam escuridade absoluta e aqueles que queriam luz, e os animais decidiram que a hora do escape tinha chegado. Mas não disseram nada, e foram para dormir, como costumavam fazer todas as noites.
Esperaram até não ouvir nenhum som e depois começaram. Esqueci-me dizer que a Célia tinha pedido para o Rodrigo ajudá-los, e ele tinha chegado com a família toda e com alguns amigos. As ratas roeram tudo o que podiam roer e a porta da casa encheu-se de buracos. Depois, a Mulata, usando toda a sua força, empurrou-a e conseguiu rompê-la. O caminho estava bem aberto.
- Por aqui, disse a Célia.
Os animais seguiram-na.
- O que estão a fazer aqui? ouviu-se de repente a voz do Paulo.
Os animais ficaram imóveis.
- Não vos disse eu para não escaparem?
- Coragem, irmãos! disse o Rodrigo.
- Pois este é o ladrão?
- O Rodrigo não é ladrão! disse a Célia. Quantas vezes devo dizê-lo?
- E eu quantas vezes devo dizer que não vou permitir que saiam daqui?
- Nós queremos ser livres, disse a Mulata.
- Sim, disseram os outros animais também, queremos ser livres!
- Pois é? Agora mesmo vou eu avisar a dona Elvira e o Vitorino e vocês vão ver o que acontece quando não obedecem às autoridades.
E começou a ladrar. Os animais então começaram a correr.
- Venham cá! disse o Paulo. Onde vão? Venham cá!
A dona Elvira estava no seu quarto. Estava a ler um romance. Estava quase a terminá-lo. Mas não o terminou porque ouviu os latidos do Paulo. Deixou de ler e levantou-se da sua cama.
- O que está a acontecer? pensou. Porque o Paulo ladra assim? Vitorino!
O Vitorino estava a ouvir uma partida de futebol na rádio.
- Vitorino! disse outra vez a dona Elvira.
- À sua disposição, patroa, disse o Vitorino e saíu do seu quarto.
- Vamos à casa dos animais, o Paulo está a ladrar como nunca tem ladrado. Algo acontece. Algo mau, suponho.
Os  dois foram para a casa dos animais. O Iguazú seguiu-os, porque a dona Elvira deixou a porta aberta.
- Nossa! dizia o Iguazú.
Entretanto, os animais tinham chegado à porta da quinta. Mas, lá havia um problema: a porta da quinta não era de madeira, era de metal, e o Rodrigo e os seus não podiam ajudar. As galinhas e os pintainhos conseguiram sair através dos buracos da porta, mas a Mulata, a Bea, a Beti e a Berenice não podiam sair.
- O que vamos fazer agora? perguntou a Bea.
- Talvez a Mulata possa partir a porta a pontapés, disse a Célia.
A Mulata deu um pontapé à porta, mas não conseguiu nada.
- Prova outra vez, disse a Célia.
- Não posso, disse a Mulata, dói-me o pé.
- Por favor, mais uma vez! disse-lhe a Bea.
A Mulata provou mais uma vez. A porta ficou onde estava.
- É impossível, disse a Mulata. Esta porta é muito forte.
- E agora?
- Vamos voltar, disse a Bea. Vamos voltar à nossa casa e ninguém vai saber nada.
- Eu não quero voltar, disse um pintainho.
- Podemos irmos embora nós, disse o Riqui, e voltar uma outra noite com um plano melhor, para liberar os outros animais.
- Não, disse a Célia, estamos todos juntos. Ou partimos juntos ou ficamos juntos.
- Dios mio, disse a Socoro, a dona Elbira e o Bitorino estão aqui!
- Nossa! ouviu-se a voz do Iguazú.

A dona Elvira e o Vitorino nunca esperavam ver o que viram. Nunca esperavam ver os animais escapar.
- Não posso acreditar nos meus olhos, disse o Vitorino. Estes animais iam escapar!
A dona Elvira não sabia o que dizer.
- Nossa! disse o Iguazú.
Os animais estavam petrificados.
- E agora, o que fazemos? perguntou a Berenice.
- Agora vai haver justiça, disse o Paulo.
- Nada está perdido ainda, disse a Célia. Não se lembram? Nós sabemos capoeira!
Sim, era verdade. Eles sabiam capoeira.
- Vamos, então, disse a Célia. Vamos dançar!
Se o Vitorino não podia acreditar nos seus olhos quando viu que os animais estavam a escapar, agora ficou completamente estupefacto.
- O que estão a fazer agora? perguntou.
- Não sei, disse a dona Elvira. Que posturas tão estúpidas! Que movimentos tão raros! Estarão doentes?
- Nossa! disse o Iguazú. Capoeira!
- O quê? disse o Vitorino. Será que dançam capoeira?
- Capoeira! disse outra vez o Iguazú. Coisa boa!
- Agora que o vejo melhor, disse a dona Elvira, parece ser um tipo de dança. Mas, capoeira não sei...
- Vem, Paulo, disse o Vitorino ao Paulo, ajuda-me para levar estes animais loucos para a sua casa. Vamos, vamos!
Foi muito tarde quando o Vitorino conseguiu levar todos os animais à casa. Depois, tive de reparar a porta partida e isto levou-lhe mais três horas.
- Temos de comprar uma porta de metal para a casa dos animais, disse à dona Elvira.

sábado, 7 de junho de 2014

11. Grandes decisões



No dia seguinte, todos os animais da quinta estavam muito preocupados e sérios e tranquilos. Olhavam para o posto do Rui e pensavam nele. Onde estaria agora? O que estaria a fazer?
- Eu acho, disse a Bea depois de ter pensado muito ,que queriam levá-lo ao médico para o examinar.
- Mas ele estava bem, não precisava de médico, disse a Célia.
- Talvez precisava de vacações, disse a Beti.
- Os animais não têm vacações, disse a Célia.
- Eu acho que estará numa outra quinta ainda melhor do que a «Quinta Alegria», disse a Cornélia.
- Não sejas ridícula, disse a Quiqui, não há nenhuma quinta melhor do que a nossa quinta!
- Pois, disse a Célia, todos estão errados. Eu fiquei a saber que o Rui foi levado para uma outra quinta...
- Ei-lo, disse a Cornélia.
- ... mas não para estar melhor. Essa quinta é uma quinta de suínos e levaram-no lá para depois o matarem.
- Que bobagem! Ninguém mata os animais bons!
- Somente as raposas, disse a Quiqui.
- E os lobos, disse a Beatrice.
- E, talvez, os leões, disse a Mulata.
- Por favor, disse a Célia, ouçam-me! Não é bobagem, é verdade, vão matar o Rui pela sua carne! Os homens comem carne de suíno!
- Não!
- Sim! Disse-mo a minha professora, que sabe tudo.
- Não será uma mentira, então?
- Não, infelizmente é a pura verdade.
- E os homens comem carne de vaca também? perguntou a Mulata depois de pouco.
- Sim, e comem carne de ovelha também, disse a Célia.
- Que barbaridade! disseram a Bea, a Beti e a Berenice.
Os animais ficaram muito pensativos e ninguém falou mais. A Célia estava muito cansada e retirou-se no seu cantinho. Um pintainho aproximou-se dela.
- Eu também quero aprender a dançar capoeira, disse-lhe.

Assim foi como os animais começaram a aprender capoeira. Primeiro começaram os pintainhos, e depois começaram os outros animais da quinta também. E foi muito difícil para eles também, difícil como o tinha sido para a Célia, quando começou as aulas. E praticavam muitas horas cada dia, porque sentiam que não tinham bastante tempo para se prepararem.
Aliás, o Paulo informou-os que a dona Elvira tinha muitos problemas financiais e pensava vender a quinta. Mas ninguém sabia responder: Ia vender a quinta com os animais ou sem eles? Os animais decidiram escapar.
- Temos de praticar mais, disseram.
E continuaram a praticar. E praticavam, e praticavam...
- O que estão a fazer aqui? perguntou o Paulo, um dia que os viu todos juntos, pés para cima, cabeças para baixo.
- Estamos a aprender capoeira.
- E para que a aprendem?
- Porque vamos escapar, disse um pintainho.
- Eu não vos deixo, disse então o Paulo. Vou avisar a dona Elvira.
- Tu és um animal como nós, não és um ser humano, como a dona Elvira, tens de ajudar-nos então.
- Não vou ajudar ninguém. O meu trabalho é guardar-vos e isto vou fazer. Deixem, então, os planos de escape. Já falei.
Os animais pensaram que o Paulo, que era o espião oficial da dona Elvira na quinta, devia ser deixado às escuras, quanto ao seu plano de escape, e decidiram não dizer-lhe nada mais sobre este assunto.
E os dias passavam...
Seria mentira dizer que os animais sabiam exactamente quando iam escapar. A Mulata dizia que devia ser numa noite sem lua, para não poderem ser vistos, a Célia dizia que devia haver lua, senão não poderiam ver onde andavam.
- Devemos ter um chefe, disse a Bea.
- Por favor, minhas senhoras, disse o Riqui, mas acho que o chefe da quinta sou eu.
- Sim, disseram as galinhas.
A Bea não disse nada mais, em fim era somente uma ovelha.
- Ai, Dios mio, disse a Socoro, quando deixei o meu país, nunca tinha imaginado que tibesse de ir-me embora outra bez.
- Eu acho que devíamos saber aonde vamos, disse a Berenice, mas a verdade é que não fazemos a mínima ideia.
- Eu sei, disse a Célia. Perto da aldeia, onde está a nossa quinta, há um bosque...
- Um bosque? disse a Beti. Mas no bosque há lobos!
- A minha professora disse-me que neste bosque só há raposas...
- Raposas? Dios mio! disse a Socoro. Eu, entonces quero ficar na quinta!
- Pois é, disse a Quiqui. A verdade é que não estamos mal aqui.
- Mas estaremos todos juntos, disse a Célia, e vamos proteger uns aos outros. Aliás, agora sabemos capoeira.
- Boa consolação! disse a Coco. Pois eu não gosto de ser comida por uma raposa!
- Achas melhor ser comida pela dona Elvira ou por um outro ser humano, então? perguntou-lhe a Célia.
- Em fim, disse a Coco. Vou partir junto a vocês.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

10. Um acontecimento muito triste mesmo



- Socorro! Socorro! ouviu-se a voz do Rui, um dia, muito cedo.
- Sim! disse a Socoro, que pensou que a estava a chamar.
- Socorro! continuou o Rui.
Era muito cedo, mesmo, e a maioria dos animais estavam a dormir. Mas com os gritos do Rui, todos acordaram.
O que viram nunca o tinham esperado. Dois homens, que os animais nunca tinham visto, estavam a puxar o pobre Rui para fora da casa dos animais.
- Onde o levam? Deixem-no aqui! disseram os animais, mas os homens não perceberam.
- Ajudem-me, por favor! dizia o Rui.  
  Os animais mexeram para os dois homens. Então, um terceiro homem desconhecido entrou. O homem tinha um chicote.
- Fsssssst! ouviu-se o chicote e os animais deram dois passos para trás.
- Não deixem que me levem! disse o Rui.
Mas o terceiro homem tinha um chicote.
Os homens conseguiram levar o Rui fora da casa dos animais. A porta da casa foi fechada. Os gritos do Rui não pararam. Uma porta ouviu-se abrir, e pouco depois a porta ouviu-se fechar. A voz do Rui ouvia-se mais leve agora. Depois, ouviu-se um carro partir. Silêncio caíu fora da casa. Silêncio caíu dentro da casa também.
Os animais não sabiam o que pensar. A Célia também estava muito assustada. Porque tinham levado o Rui? Talvez porque não dava nada à dona Elvira, nem leite, nem lã, nem ouvos? Mas o Rui não lhe tinha dito que a dona Elvira amava os bons animais e que ele era um animal bom? Seria que tivesse feito alguma coisa má? Pensou que não seria boa ideia perguntar nenhum animal, porque nenhum animal saberia responder. Perguntaria a sua professora. Ela sim saberia responder.
A Isolda ouviu a notícia sem mostrar nenhum sinal de assombro.
- Porque é que o levaram? perguntou à Isolda.
- Bom, a menina talvez não tenha a idade para este tipo de conversa...
- Quero saber, disse a Célia.
- Neste caso, devo dizer que na vida acontecem coisas boas e coisas más. Já dissemos que os animais da quinta servem ao homem para lhe darem lã, leite, ouvos... Pois, não só. Os animais dão ao homem carne também.
- Que tipo de carne?
- Bom, o homem come várias coisas: come verduras, mas também come carne, e esta vem dos animais... é a sua carne que come.
- Quer dizer que um homem vai comer o Rui?
- Um homem só, não. Mas muitos, sim, eles vão comê-lo.
- Isto é terrível! disse a Célia. Mas, a dona Elvira é boa e ama os animais. Ela também come carne?
- Não vejo porque não.
- Não pode ser, disse a Célia.
- Sei que é uma coisa muito grande para poder ser percebida por um pintainho da sua idade, mas é a pura verdade, disse a Isolda.
- Não me sinto nada bem, disse então a Célia. Podemos terminar a aula aqui?
- Pois, normalmente não gosto do meu programa ser alterado, mas a menina é a minha aluna favorita. Por isto vou fazer uma excepção. Continuamos amanhã, então?
- Sim, amanhã, disse a Célia.
- Até amanhã, disse a Isolda e voou fora da casa dos animais.
A Célia não respondeu. Pobre Rui! Que sorte tão horrível para um animal que não fazia nada mal: só comia, dormia e tomava banhos.
- Estás sozinha? ouviu-se a voz do Rodrigo. A coruja partiu?
- Sim, disse ela.
- O que está a acontecer? Porque estás assim?
- Três homens levaram o Rui fora daqui, provavelmente para o comerem.
- Ah, sim, algo ouvi. O Rui o suíno, não?
A Célia acenou com a cabeça.
- Pois, alguém viu um camião onde estava este Rui, disse o Rodrigo. O camião pertencia a uma quinta de suínos que está perto da cidade.
- Então o levaram para estar com a sua família? perguntou a Célia, pronta para acreditar num milagre.
- Estás louca? disse o Rodrigo. A quinta produz carne! Levaram-no lá para matá-lo e vender a sua carne, como fazem com todos os suínos da quinta. Para um pintainho que estuda, não és nada inteligente.
A Célia não falou. A sua última esperança já tinha desaparecido. O Rui ia ser matado. Talvez já estava morto. Pobre Rui!
Naquela noite a lua tinha desaparecido também, igualmente como a última esperança da Célia...