quinta-feira, 12 de julho de 2018

A HISTÓRIA INTEIRA

        



1. UMA ALDEIA QUE SE CHAMAVA DUAS PEDRAS E A QUINTA ALEGRIA 


Era uma vez uma aldeia muito pequena, que se chamava Duas Pedras. Era tão pequena, tão pequena, que as pessoas que lá viviam não precisavam de telefones para falarem entre si. Simplesmente se assomavam à janela e falavam em voz alta.
     Bom, isto não é completamente verdade. Estou a exagerar um bocadinho. Mas a aldeia era muito pequena mesmo e todos se conheciam entre si, e todos se ajudavam quando havia necesidade e eram mais ou menos amigos. Por isso, as pessoas que viviam em Duas Pedras eram quase sempre alegres.
     Duas Pedras não era uma aldeia rica, mas produzia quase tudo o que as pessoas precisavam. As pessoas tinham quintas, umas pequenas, outras menores ainda, onde trabalhavam a terra, e também tinham animais. Não havia grandes ruas, nem muitos carros e o ar era limpo. Assim, as pessoas raramente ficavam doentes.

A quinta mais bonita de Duas Pedras era, sem dúvida alguma, a quinta da dona Elvira. Chamava-se «Quinta Alegria» e era uma quinta muito alegre mesmo. Não era muito grande, mas era bem organizada. A dona Elvira tinha vinhas, que davam um vinho tinto que sabia a cerezas, cultivava alfaces, tomates, batatas, cebolas, cenouras, tudo o que é preciso para cozinhar, e também tinha animais: uma vaca, tres ovelhas, muitas galinhas, um galo, um suíno, um cão e uma gata. Tinha também um papagaio azul, que um sobrinho seu, que era capitão de um barco enorme como dez baleias juntas, lhe tinha trazido do Brazil. Chamava-se Iguazú. O sobrinho chamava-se Pedro.
     Na parte da frente da quinta havia também uma casa pequena, a casa da dona Elvira. Tinha dois quartos, uma cozinha, uma casa de banho e um pequeno salão. Tinha seis janelas, duas na frente, duas na parte traseira e uma em cada um dos lados, e todas as janelas tinham cortinas de renda. Tinha também uma porta, pois é preciso para entrar ou sair.
     Na varanda havia um baloiço e muitos vasos com flores. Todas as tardes do Verão, a dona Elvira sentava no baloiço e tricotava, baloiçando e escutando música da rádio velha que tinha. Mais tarde, quando já a luz se diminuia, ela deixava o tricô e ficava a olhar o pôr do sol, cheirando o perfume das flores do seu jardim tão lindo!

Mas não vão pensar que os animais não tinham onde dormir. Eles também tinham uma casinha, que os protegia do frio e da chuva. E, para dizer a verdade, a casinha dos animais era maior do que a casa da dona Elvira. Porém, a casa dos animais não tinha móveis, nem varanda, nem baloiço. Isto estava bem, acho eu, porque nenhum dos animais sabia tricotar.
Dentro da casa dos animais, cada animal tinha o seu posto. A vaca e as ovelhas eram vizinhas, dormiam perto. Numa parte separada, com saída separada, dormia o suíno, e num canto havia a capoeira, onde, sobre paus pegados na parede, dormiam as galinhas em linha, como os pratos numa prateleira. A capoeira tinha também saída separada, mas aquela saída era muito pequena, só para ser usada pelas galinhas.
A dona Elvira ia à casa dos animais todos os dias, porque tinha de dar aos animais de comer. Também, recolhia os ovos que as galinhas punham, ovos brancos ou mais coloridos, que muitas vezes eram ainda quentes, mantendo o calor do corpo das galinhas. E, mais importante ainda, ordenhava as ovelhas e a vaca. Com o leite, depois, fazia um queijo branco, levemente amarelo, outras vezes macio, outras vezes mais duro, aromatizado com várias ervas. O queijo, junto ao vinho, eram os produtos mais famosos da quinta.
A «Quinta Alegria» era uma quinta arrumada, porque a proprietária era muito organizada e muito trabalhadora. Quando a dona Elvira era muito jovem, fazia tudo quase sozinha, e digo quase sozinha porque havia também o marido dela, o Amilcar, que era também muito trabalhador. Mas, um dia o Amilcar morreu, e a dona Elvira ficou sozinha com a quinta.
Ela continuou a trabalhar como dantes, e seguiu trabalhando durante muitos anos, mas o trabalho ficava cada vez mais difícil. Aliás, enquanto a quinta ficava a mesma, a dona Elvira crescia e crescia... Já tinha cincuenta e cinco anos e continuava a crescer. Cincuenta e cinco anos, meu Deus, isto é muito! Claro, se pensarmos que a Rute, a tartaruga mais inteligente das ilhas Galapagos, tem oitenta anos, cincuenta e cinco não parece muito, mas mesmo assim... Cincuenta e cinco é igual a onze vezes cinco, é como uma equipa inteira de futebol com jogadores de cinco anos!
A dona Elvira, então, acordou um dia sentindo tão cansada que decidiu ficar na cama. O Riqui, o galo da quinta, anunciou todas as horas da manhã como um bom relógio suíço, mas a dona Elvira não saíu. Sentia-se tão fraca naquele dia! Mas os animais tinham de comer. Não podia continuar assim. Era hora de fazer algo.
O Iguazú estava na cozinha, silvando e dizendo «Oi, gentsi! Ta legau?» «Oi! Ta?», como todos os dias, e a dona Elvira levantou-se da cama para ir dar-lhe de comer. Abriu a caixa da comida, o Iguazú sacudíu as asas dizendo «Bacana!», e foi então quando ela teve a ideia: ia contratar um empregado!
Assim foi como o Vitorino começou a trabalhar na Quinta Alegria. O Vitorino trabalhava também na quinta do seu pai, mas como eram três irmãos e a quinta era pequena, não havia bastante trabalho para todos. Ele encarregou-se das vinhas e do resto das cultivações, enquanto a dona Elvira limitou-se a cuidar os animais, o jardim e a casa. Todos ficaram contentes. Mas a nossa história ainda não começou.


2. O PRIMEIRO DIA DA VIDA COMEÇA COM MUITAS PERGUNTAS 


A nossa história começou num dia da Primavera, com o sol bem alto no céu, com as plantas florescendo, com as abelhas voando de flor em flor e com os pássaros enchendo o ar de canções alegres. E começou aqui mesmo, na casa dos animais.
A Socoro, a espanhola galinha poedeira começou a gritar «co-co-có, co-co-cocó» repetidamente. Isto significava que tinham nacido os novos pintainhos. Todos, isto é, o Vitorino e a dona Elvira correram para a capoeira. Sim, era verdade. A capoeira estava cheia de pintainhos amarelos, alguns ainda molhados, outros secos, como cabeçinhas loiras de cabelo recentemente cortado. No chão havia também pedaços de cascas de ovos, porque para nascerem os pintainhos foi preciso partir os ovos.
Somente um ovo tinha permanecido imóvel. Era um ovo branco. «Equivoquei-me», disse a dona Elvira. «Este ovo é vazio. Devemos tirá-lo ao lixo». Mas naquele mesmo momento, como se tivesse ouvido, o ovo mexeu! Um bocadinho no inicio, e depois muito mais. E, de repente, eis um buraquinho na casca do ovo!
O buraquinho tornou-se buraco muito rapidamente, e apareceu a ponta de um bico. Depois, muitas linhas apareceram na superficie da casca, e, por fim, o ovo abriu em dois pedaços, revelando um pintainho molhado e muito cansado.
- Tsip, tsip, tsip! disse o pintainho.
- Bem-vindo! disse-le a dona Elvira.
- Tsip! Tsip! respondeu o pintainho.
- Mianmar, por favor, sai daqui, querida, disse a dona Elvira à gata, que acabava de entrar e que estava a olhar para os pintainhos com o evidente propósito de provar um deles.
- Miau, disse Mianmar e saíu ofendida.
A dona Elvira e o Vitorino contaram os pintainhos. Onze. Onze pintainhos novos não eram nada mal. A dona Elvira ficou muito contente.
E naquele dia fez uma omelete com queijo.
Assim foi como começou a vida da Célia, da protagonista da nossa história. A Célia, então, começou como todos os pintainhos, amarela e muito fofinha.
Os outros animais, quer dizer, a Mulata – a vaca –, a Bea, a Beti e a Berenice – as ovelhas – e o Rui – o suíno – deram aos novos pintainhos as boas vindas, e retiraram-se cada um ao seu sítio. E os pintainhos ficaram quase sozinhos.
Foi então que a diferença entre a Célia e os outros pintainhos se tornou evidente por primeira vez. Enquanto que os outros pintainhos começaram a petiscar, a Célia ficou maravilhada pelo seu ambiente novo.
Quantos animais grandes e tão diferentes! E que lugar tão organizado! E como foi que saíu daquele lugar obscuro e apertado àquele luminoso e tão espaçoso? Havería mais lugares para conhecer?
- É muito rara esta Célia, disseram os outros pintainhos.
E decidiram não falar muito com ela.
Mas ela não se importou muito, já que estava absorvida pelos seus pensamentos. Porque não eram todos iguais? Porque não havia somente pintainhos neste mundo? Onde podia perguntar?
A Célia aproximou-se do Rui e perguntou-lhe:
- O que é que es tu?
- Eu sou um suíno, disse o Rui.
- E porque é que não es pintainho também?
- Não sei, disse o Rui e pensou: este pintainho é muito raro.
A Célia aproximou-se da Mulata.
- Como é que te chamas? perguntou.
- Mulata, disse a Mulata.
- E o que é que es?
- Eu sou vaca, disse a Mulata, que era vaca mesmo.
- E o que é que faz uma vaca?
- Come e dá leite.
- E porque é que não es pintainho?
- Não sei, disse a Mulata, e pensou: este pintainho não anda muito bem na cabeça.
A Célia aproximou-se das ovelhas.
- O que é que es tu? perguntou a Bea.
- Eu sou ovelha.
- E tu, que es? perguntou a Beti.
- Eu sou ovelha também.
- E tu? perguntou a Berenice.
- Eu também sou ovelha.
- Quantas ovelhas! maravilhou-se a Célia. E porque é que são ovelhas e não pintainhos?
- Não sei, disse a Bea.
- Não sei, disse a Beti.
- Não sei, disse a Berenice.
- Sabem, pelo menos, porque é que têm quatro patas e não duas?
- Não, disse a Bea.
- Não, disse a Beti.
- Não, disse a Berenice.
- Hmmmm, disse a Célia. E, o que é que fazem as ovelhas?
- Comem e dão lã e leite.
- Lã e leite... repetiu a Célia.
- O que é que estás a fazer aqui, menina? perguntou o Riqui, o galo. Vai com as galinhas, vai!
E a Célia voltou onde estavam as outras galinhas. Mas não era nada satisfeita. Ninguém tinha respondido às suas perguntas. Onde podia encontrar as respostas? 


3. UM ENCONTRO NOCTURNO


O dia passou e chegou a noite. Chegou como chegam todas as noites, muito escura e um pouco fria. As galinhas, junto aos pintainhos, acostaram-se uma ao lado da outra, e muito pronto estavam a dormir. Os outros animais acostaram-se também. Mas a Célia não.
Ela não podia dormir. E como podia dormir, quando havia tantas perguntas dentro da sua cabecinha? A luz da lua entrava na capoeira por uma janelinha pequena, e por aquela janelinha, a Célia podia ver uma pequena parte do céu da noite. Era um céu muito diferente do céu do dia, cheio de pequenas luzes.
- Que bonito! pensou a Célia e sentiu a vontade de compartir o seu assombro, mas na capoeira todos estavam a dormir e não havia ninguém para compartir nada com ela.
Suspirou decepcionada. Sentiu que estava sozinha no mundo. Mas, naquele mesmo momento, ouviu um som, pft-pft-pft. O som repetiu-se muitas vezes. O que havia aí?
Muito pronto, um animal pequeno, mas não tão pequeno como a Célia, apareceu na escuridão.
- Quem está aí? perguntou a Célia, que - para dizer toda a verdade – tinha um pouco de medo.
O animal ficou imóvel um bocadinho, depois começou a mexer outra vez.
- Quem está aí? repetiu a Célia.
O animal parou outra vez.
- Quem quer saber? perguntou.
- Sou eu, disse a Célia, aqui cima.
- Ah, disse o animal, um pintainho... Mas porque não estás a dormir? Todos dormem a estas horas.
- Tu não dormes, disse a Célia, que pouco a pouco estava a ganhar confiança.
- Pois, disse o animal. Eu não sou pintainho.
- E que es, então?
- Sou rata, disse o animal que era rata.
- E quantas patas tens? perguntou  a Célia.
- Pois, se não me equivoco, tenho quatro.
- E porque é que tens quatro patas? perguntou a Célia.
- E quantas patas devia ter? perguntou a rata estranhada.
- Sei lá, duas...
- Pois, disse a rata, nunca pensei nisto, mas acho que uma rata com duas patas seria pior do que uma rata com quatro...
- Eu tenho duas patas e estou perfeitamente bem.
- Sim, mas tu es pintainho... Os pintainhos têm duas patas. Quatro patas seriam muitas para um pintainho só, acho eu.
A Célia ficou um bocadinho pensativa.
- E o que estás a fazer aqui? perguntou.
- Estou à procura de comida, disse a rata. Aqui a comida é abundante, sobra para mim também.
- Es um ladrão, então, disse a Célia. Porque quando tomas aquilo que ninguém te deu, es um ladrão.
- Não, disse a rata, isto se chama justiça social. Tomo daqueles que têm e dou àqueles que não têm.
- Mesmo assim... começou a dizer a Célia, mas a rata interrompeu-a.
- Anda a dormir, agora, porque não tenho toda a noite...
- Mas...
- Silêncio! disse a rata.
A Célia não disse nada mais.
- Que pintainho tão raro! disse a rata para si mesma. Tantas perguntas... Mesmo se fosse um ser humano!
E foi a comer.
E a Célia, muito cansada, por fim conseguiu dormir.


4. UM DIA CHEIO DE PERGUNTAS NÃO RESPONDIDAS


No dia seguinte, como é lógico, a Célia não podia acordar.
- Acorda-te, dorminhoca, disse-lhe a Quiqui, a galinha branca.
- Acorda-te, dorminhoca, repetiram os outros pintainhos.
E desataram a rir.
A Célia petiscou um bocadinho, porque tinha fome, e depois ficou a pensar em tudo o que lhe tinha acontecido no dia anterior. As suas perguntas tinham aumentado.
- Bom dia, disse ao Rui.
- Bom dia, respondeu o Rui.
- O que é que faz um suíno? perguntou a Célia.
- Meu Deus, pensou o Rui, este pintainho não pára de perguntar. Que queres dizer com isto? perguntou.
- Que fazes todos os dias?
- Bom, durmo, como, tomo pelo menos um banho por dia, passo muito bem, aqui está fresquinho, não me queixo.
- Não fazes nada mais?
- Pois não, que eu saiba.
- Então, porque é que a senhora te dá de comer?
- Pois todos devemos comer...
- Sim, mas tu não lhe dás nada. A Mulata dá-lhe leite, a Bea, a Beti e a Berenice dão-lhe lã e leite.
- Mas porque tinha eu de dar-lhe alguma coisa? A dona Elvira é muito boa e ama os animais. Por isso é que nos dá de comer a todos.
- E porque não dá de comer aos outros animais?
- A quais animais te referes?
- Às ratas, por exemplo.
- As ratas não são bons animais. A dona Elvira dá de comer somente aos animais bons.
- E porque as ratas não são boas?
- Ó, menina, quantas perguntas! Vai embora, não sei e não quero saber! A coisa importante é que os suínos são animais bons. Do resto não entendo nada!
A Célia não ficou nada satisfeita. O Rui não sabia responder. Talvez fosse estúpido. A Célia decidiu perguntar a sua mãe.
- Mãe, disse à Socoro, os suínos são animais bons?
- Suponho que sim, disse a Socoro.
- E as vacas também?
- Sim, as bacas también.
- E as ovelhas?
- E as obelhas también, mi amor.
- E os pintainhos?
- Dios mio, quantas preguntas esta tsica! disse a Socoro. Sim, mi amor, os pintainhos también.
- E porque as ratas não são boas?
- No sé, pero, Célia, deixa las preguntas e bai brincar com os teus ermanos, bai!
Evidentemente, a Socoro ou não sabia ou não queria responder.
- Não será por terem quatro patas, acho eu, disse a Célia. Porque os suínos, as vacas e as ovelhas, todos têm quatro patas e todos são bons...
- Célia, querida, bai embora, a mamá tem mutsas cossas para fazer, oubiste?
A Célia ficou sozinha e muito mais pensativa do que estava dantes. Ninguém parecia saber nada e, pior ainda, ninguém parecia querer saber. Mas a Célia queria saber tudo.
- O que é que estás a fazer aqui, menina? perguntou-lhe a Cornélia, a galinha gorda e castanha.
- Nada, disse ela.
- Vai brincar com os outros pintainhos, porque estás aqui sozinha?
- Eu quero respostas e ninguém tem respostas para me dar.
- Que tipo de respostas?
- Normal, suponho.
- E que queres saber?
- Porque a dona Elvira dá de comer ao Rui, que não faz nada, e porque as ratas são más, e porque...
- Espera, menina, espera, disse a Cornélia. Fazes muitas perguntas, não me parece raro que ninguém te responda. As perguntas devem ser feitas uma cada vez.
- Então...
- Espera, disse! Primeiro, deves saber que vivemos na «Quinta Alegria» e a «Quinta Alegria» chama-se assim, porque todos nesta quinta somos alegres. A dona Elvira é uma senhora muito boa mesmo, que nos cuida porque nos ama. O Vitorino também é bom rapaz.
- E não amam as ratas?
- Acho que não.
- Mas, porque?
- Pois, não podemos amar todo o mundo...
- Mas...
- Ó, menina, basta com as perguntas, estou muito cansada... Outro dia falamos outra vez, está bem?
E a Cornélia foi embora e deixou a Célia sozinha.


5. RESPOSTAS DIFERENTES


A noite chegou outra vez e a Célia outra vez não consiguia dormir. Estava a pensar. Mais um dia tinha passado e ela não tinha aprendido quase nada. Bom, tinha aprendido que há animais bons e animais maus, mas mesmo assim, não era nada satisfeita.
Através da janelinha, o céu parecia tão bonito como na noite anterior. Somente a lua parecia um bocadinho diferente. Parecia maior, a Célia tinha certeza disto.
De repente ouviu-se um som familiar: pft-pft, pft-pft-pft...
- Rata, disse a Célia, és tu?
- Sim, disse a rata, mas porque não me chamas pelo meu nome?
- Mas, não conheço o teu nome...
- Não to disse ontem? Que falta de educação da minha parte! Peço humildamente desculpa, mas, agora que o penso melhor, nem eu conheço o teu nome...
- Chamo-me Célia, disse a Célia.
- Pois, muito prazer, Célia, disse a rata e fez uma pequena reverência. Eu chamo-me Rodrigo, à tua disposição.
- Muito prazer, Rodrigo, disse a Célia. Mas, a verdade é que talvez não devesse falar contigo.
- E porque?
- Bom, disse a Célia, hoje estive a falar com o Rui, e ele disse-me que as ratas não são boas...
- E quem é este Rui? Pode-se saber?
- O Rui é o suíno que está a dormir lá dentro.
- Pois, pois, disse o Rodrigo, um suíno, naturalmente. Não esperava eu nada melhor de um suíno.
- Então, as ratas não são más? A dona Elvira ama todos os animais e dá de comer a todos, mas às ratas não dá porque as ratas são más, isto foi o que me disse o Rui...
- Sim, sim, já sei, é aquele famoso conto popular... Isto, minha querida, é o que dizem aqueles que têm tudo sobre aqueles que não têm nada. Mas ser pobre não é um pecado, não senhora!
- Não sei, disse a Célia, talvez tu tenhas razão. O Rui não sabia responder a muitas das minhas perguntas...
- Pois claro que tenho razão, disse o Rodrigo. Porque é que eu sou mau? Porque não tenho tecto e tive de construir a minha casa com as minhas próprias mãos? Porque não há comida à minha espera, mas sou eu quem tem de procurar a comida? Porque, para evitar os perigos do dia saio de noite? Pois, sabes, eu sou uma rata de família, não sou uma rata qualquer!
- Tens família, então? perguntou a Célia.
- Pois claro! Tenho mulher e quinze filhos!
- Quinze?
- Sim, quinze: o Ronaldo, o Roberto, o Rolando, o Ricardo, o Rulfo, o Rodolfo...
- Só meninos?
- ..., a Romilda, a Renata, a Regina, a Rita, a Rosina, a Raquel, a Rebeca, a Rute e a Rosália.
- E a tua mulher, como se chama?
- Remédios. Somos uma família toda roedores.
O Rodrigo riu. A Célia riu também.
- Ó, Rodrigo, disse a Célia um pouco depois, hoje a lua não parece maior do que ontem?
- Sim, disse o Rodrigo, depois de ter olhado para a lua. Assim é. Às vezes, a lua torna-se menor, às vezes torna-se maior. Depende da temperatura do céu.
- Depende da temperatura?
- Sim, porque não sei se tu o sabes, a lua é um grande queijo.
A Célia olhou para a lua. Seria um queijo mesmo?
- Sim, continuou o Rodrigo, como se tivesse ouvido a pergunta. É um queijo muito saboroso, tipo Gruyére, sabes o que é o Gruyére?
A Célia não sabia.
- Pois, o Gruyére é um queijo com muitos buracos, grandes e pequenos, vês os buracos sobre a lua?
A Célia olhou, sim, havia buracos.
- Vês, então, que tenho razão, disse o Rodrigo, muito satisfeito consigo mesmo. Bom, como todo o mundo sabe, o queijo derrete quando se aquece. Então, quando a temperatura do céu é alta, a lua derrete e diminui. Quando está frio no céu, a lua aumenta. É pura ciência.
A Célia ficou pensativa e maravilhada.
- Oxalá tivesse asas para voar, suspirou o Rodrigo. Se pudesse voar, escolhia uma noite fria e, com a família toda, voava alto até à lua, e comia quanto mais pudesse. Mas não tenho asas... Tu, por outro lado, tens asas, mas também não podes voar... Aliás, tu não comes queijo, a lua não te serve...
A Célia não disse nada.
- Ó, Célia, disse o Rodrigo, estás aí? Célia!
Mas a Célia não o ouviu, já estava a dormir com luas de queijo, cheias de ratas...
- Boa noite, então, disse o Rodrigo.


6. COMUNICAÇÃO PROBLEMÁTICA


- O que vamos fazer com esta menina? disse a Quiqui, a galinha branca no dia seguinte, quando viu que a Célia estava ainda a dormir.
- É muito rara, mesmo, disse a Coco, a galinha preta. Não dorme de noite e depois não pode acordar.
- É uma nínia excepcional, disse com orgulho a Socoro, que tinha ouvido. Um bocadinho rara, talvez, pero mui buena, la berdá...
As outras duas não disseram nada mais.
- Filha, disse a Socoro, acuérdate, por fabor. É hora de acordar.
A Célia abriu os olhos.
- Ó, mãe, disse, sonhei com a lua...
A Socoro começou a afastar-se. A Célia seguiu-a.
- Sabias que a lua é um queijo? perguntou.
- Um quesso? Quem to disse?
- Disse-mo o Rodrigo, a rata.
- E donde encontraste tu esta rata, se puede saber?
- Veio aqui esta noite.
- Dios mio! Um inbassor!
- Não, não é um invasor, é um amigo!
- Donde está este Paulo? Paulo! Paulo!
- O que aconteceu? perguntou o cão da quinta, que acabava de entrar.
- Estás aqui para defender-nos, no? perguntou a Socoro.
- Claro que sim...
- Donde estabas, entonces, ontem anotse, que uma rata entrou, obviamente para roubar?
- Uma rata, disseste? perguntou o Paulo. Desculpa lá, mas eu estou aqui para vos proteger das raposas, não para caçar ratas. Se tivesse entrado alguma raposa podias reprimir-me. Mas, por causa de uma rata, não. Mesmo se fosse um ladrão...
- O Rodrigo não é ladrão, disse a Célia. Só procura comida para a sua família porque não tem.
- Boa excussa, disse a Socoro. Célia, querida, tienes que tener atención. No todos são amigos. As ratas são ladrones, bale?
- O Rodrigo não, disse outra vez a Célia. O Rodrigo é bom e sabe muitas coisas, e sabe que a lua é um grande queijo, uma coisa que ninguém de vocês sabia. Mas ele sabia-o!
- Esta tsica ba a matar-me, disse a Socoro e saíu.
- A tua mãe tem razão, disse-lhe o Paulo, o cão. Não deves ter relações com pessoas como aquele Rodrigo. Digo-to para te proteger.
- Não preciso de protecção, disse a Célia.
- Cuidado com esta língua, disse o Paulo, que ficou ofendido. Não podes falar assim. A final de contas não somos coetâneos...
- Coe...quê?
- Coetâneos, repetiu o Paulo. Quer dizer «da mesma idade».
- E porque não dizes isto e usas esta palavra difícil?
O Paulo não disse nada mais, somente suspirou. Depois, saíu da casa dos animais, a passo lento.
A Célia olhou para o posto da vaca. A Mulata estava a masticar, como sempre.
- Devias ser mais obediente, disse à Célia. A tua mãe quer o que é bom para ti. Se ela te diz que não deves ter relações com esta rata, será porque ela tem razão. As ratas vivem fora da lei.
- Não foi isto o que eu percebi, disse a Célia. Ele tem mulher e filhos e isto é legal, não?
- Aqueles que vivem fora da lei também têm famílias. Ter família não é prova de legalidade.
- Que sabes tu? disse a Célia. Para poderes falar sobre o Rodrigo, primeiro deves conhecê-lo.
- Não quero conhecê-lo, e não sejas mal-educada.
- O que digo é a verdade. E não podes ser mal-educado quando dizes a verdade.
- Quem te disse estas bobagens?
- Não são bobagens!
- Que menina tão atrevida! disse a Mulata, ofendida. Mas porque não és como os outros pintainhos?
- Não é mau ser diferente.
- Ser diferente não serve para nada. A uniformidade dá beleza ao mundo. Em fim, devias ser feliz, porque na nossa quinta há pessoas que nos cuidam, que nos dão de comer, que limpam a nossa casa...
- Sim, mas não o fazem porque são boas pessoas, fazem-no para ganhar de nós. Tu dás-lhes leite, as ovelhas dão-lhes lã e leite, as galinhas dão-lhes ouvos, como já vi...
- Isto não é nada mau. O mais importante é que na nossa quinta tudo é bom e nada mau acontece, a não ser que ratas ladrões entrem e roubem a comida...
- O Rodrigo não é ladrão! O que acontece é que há pessoas menos favorecidas e isto é uma injustiça.
- Não quero ouvir mais, disse a Mulata. Estas ideias revolucionárias são muito perigosas. O que é que queres, então? Que nós percamos o que temos, que percamos a nossa casa e os cuidos da dona Elvira e do Vitorino? Queres que nós também não tenhamos nada para comer? Queres que percamos o nosso futuro?
- Não, tudo o contrário. Digo que o Rodrigo também devia ter os cuidos da dona Elvira, que ele também devia ter para comer...
- Não sei quem te pôs estas ideias na cabeça, mas não sabes o que dizes...
- Sei, sim!
- Sai daqui, vai brincar com os outros pintainhos, já me deste dor de cabeça, disse a Mulata e voltou para o outro lado.
A Célia pensou que não podia comunicar com a Mulata. Voltou para as ovelhas.
- A Mulata tem razão, disse a Bea, que tinha ouvido tudo. As tuas ideias revolucionárias somente podem trazer tristeza na nossa quinta. Porque achas que devemos prejudicar o nosso futuro aqui?
- E qual é o nosso futuro aqui?
- Não percebeste que nesta quinta todo está bem organizado e vivemos todos felizes?
- Até quando?
- Até sempre, claro, interveio a Beti.
- E os animais aqui não morrem?
- Aqui não. Nunca vi eu um animal morto dentro desta quinta. Por isto é que te dizemos que deixes as coisas como são. Ou achas que nós somos estúpidos?
A Célia achou muito raro que ninguém moresse na quinta, mas não podia saber se isto era verdadeiramente verdade, já que era muito pequena e não tinha experiência da vida. Talvez os outros animais tivessem razão, então. Mas o Rodrigo seguiria ser seu amigo, pronto.


7. UMA VISITA DIFERENTE


Passaram dias. A Célia continuou a acordar tarde e a dormir tarde, e continuou a conversar com o Rodrigo e a ter muitas perguntas. Uma noite, que ainda estava acordada e o Rodrigo ainda não tinha chegado, ouviu-se um som novo. E este som não era pft-pft, como fazia o Rodrigo, mas era frrrrrt-frrrrrrrrrrrrt, e depois ouviu-se algo bater na parede, provavelmente, e depois ouviu-se uma voz:
- Ai! disse a voz.
A Célia procurou ver quem era, mas aquela noite era bastante escura porque a lua era muito pequena, como é a fatia da melancia que fica depois de termos comido a parte vermelha. Seria uma daquelas noites que o céu está quente.
- Ai, que dor! disse a voz outra vez.
- Quem está aí? perguntou a Célia. Rodrigo, não serás tu?
- Os meus óculos, onde estão os meus óculos?
- Quem está aí? repetiu a Célia.
Uma sombra via-se na escuridão. Uma sombra que se mexia.
- Ei-los! disse a voz.
A sombra pôs uma coisa à sua cabeça.
-  Muito melhor assim, disse a voz. E menos mal que não parti nenhuma asa.
A Célia conseguiu ver um bocadinho melhor. Tratava-se de uma ave, aparentemente.
- Quem és? perguntou à ave-sombra.
Ela ficou imóvel.
- Ah, um pintainho! disse a sombra um pouco depois.
- Podes ver-me? perguntou a Célia.
- Primeiro, menina, disse a sombra, devo dizer uma coisa muito importante: venho de uma família muito antiga e importante e não estou acostumada às formas de expressâo vulgais.
- Vulgais? Que queres dizer com isto?
- Ó, meu Deus, disse a ave-sombra, mais um pintainho sem educação alguma!
Suspirou.
- Não me sinto obrigada a responder a perguntas que não se formulam de maneira educada. O pronome «tu» não existe no meu vocabulário. Por isto, se faz favor, pode falar conmigo usando a terceira pessoa.
- Quem é esta terceira pessoa? Eu não a conheço.
- Meu Deus, uma analfabeta! suspirou a ave-sombra.
- Analfaquê?
- Deixe-o. Pelo menos, sabe falar usando o pronome «você»? Seria algo...
- Aqui todos falamos usando o pro..., o «tu», disse a Célia.
- Plebeus! disse a ave-sombra com desdém.
- Olha, senhora, falas com palavras difíceis e eu não percebo nada. Porque não me dizes quem és? Eu chamo-me Célia.
- O meu nome inteiro, menina mal-educada, é Isolda Leopoldina Fon Vais Fider...
- Fon quê?
- Fon Vais Fider e por favor não me interrompa. Sou descendente da famosa família de filósofos Fon Vais Fider da parte do meu pai, e da família Braun-Flunguen – uma família toda educadores – da parte da minha mãe. Como pode ver, não sou uma coruja qualquer.
- Uma coruja?
A Isolda Leopoldina Et Cétera parou de falar.
- Desculpa, disse a Célia.
- Desculpe, disse a Isolda Et Cétera. Esta é a forma educada de falar.
- Desculpe, então.
- Como estava a dizer, continuou a Isolda Et Cétera, não sou uma coruja qualquer, sou uma coruja da alta sociedade e tenho uma enorme linha familiar. Conheço todos os meus antepassados, e todos foram muito importantes.
A Célia não sabia o que dizer.
- A menina viu por acaso uma rata por aqui?
- Uma rata! exclamou a Célia, que imediatamente pensou no Rodrigo. Não, não vi, porque?
- Já sei, as ratas são animais repulsivas, mas nós também – as corujas, quero dizer – precisamos de comer. Então...
- Aqui não vêm ratas, mentiu a Célia.
- Hm, muito raro, disse a Isolda Et Cétera. Mas, diga me, por favor, o que faz um pintainho acordado tão tarde? As galinhas dormem muito cedo...
- Não consigo dormir porque penso...
- Um pintainho pensador... será? E, se me permite, em que coisas pensa?
- Tenho muitas perguntas, mas não posso encontrar as respostas. Aqui na quinta ninguém sabe responder-me. Somente o Rodrigo...
- O Rodrigo? Quem é este Rodrigo?
- Um amigo, disse a Célia que deu conta que quase tinha traído o seu amigo.
- Sinto dizer que as respostas não as conhecem todos. O dom da sabiduria está reservado para poucos, e as corujas estão entre aqueles poucos.
- Então, tu sabes dar-me respostas?
- A senhora sabe dar-me respostas? disse a Isolda Et Cétera.
- Qual senhora?
- Ó, meu Deus, esta é a forma educada de falar!
- A senhora sabe, então, dar-me respostas?
A Isolda Et Cétera olhou para a Célia. Aquele pintainho tinha uma chama nos seus olhos, uma chama que nunca tinha visto nos olhos dos seus alunos.
- Eu normalmente dou aulas à corujas, a pintainhos não, disse à Célia. Mas, tenho de reconhecer que a menina tem uma chama nos seus olhos... Há muito tempo que não vi esta chama... Muito bem, então. Vou dar-lhe aulas, mas, atenção: não vou permitir preguiças, a menina tem de estudar... E tem de falar de maneira educada.
- Vou estudar, sim, disse a Célia. E vou falar como se deve falar. Prometo-o.
- Pois, começamos amanhã. E agora vou procurar comida. Tenho uma fome enorme.
A Isolda Et Cétera abriu as asas e voou fora da casa dos animais. A Célia sentiu-se muito feliz. Por fim, ia encontrar respostas!
E naquela noite teve o seus sonhos melhores.


8. AULAS PARTICULARES


Assim foi como a Isolda a coruja começou a dar aulas à Célia, que dava muito prazer à sua professora, porque estudava sempre. Uma das primeiras coisas que ficou a saber foi que a lua não era um queijo enorme.
- Que engraçado! riu a Isolda, que normalmente era uma coruja séria. A lua é um queijo? Quem lho disse?
A Célia sentiu vergonha.
- O Rodrigo, o meu amigo, disse em voz baixa.
- Pois, este Rodrigo não sabe nada mesmo.
- Mas é como o Gruyére, começou a dizer a Célia, o queijo com os buracos, não vê os buracos sobre a lua?
- Menina, atenção! Quem é o seu professor: o Rodrigo ou eu?
A Célia baixou a cabecinha.
- Bom, já que sou eu a sua professora e eu digo que a lua não é queijo, isto é a verdade. Fique a saber, então, que a lua é um planeta, exactamente como a terra...
- Mas a terra não é queijo...
- Exactamente! A lua, então, é um planeta como a terra, mas ninguém vive lá, porque não há ar para respirar.
- E os buracos?
- Os buracos são sinais de meteoritos que alguma vez caíram sobre a lua.
- Que significa «meteoritos»?
- Os meteoritos são pedras enormes que viajam pelo espaço.
A Célia ficou com o bico aberto. Quantas coisas sabia a Isolda! Sempre tinha uma resposta pronta para dar. Era uma sábia mesmo.

- Quando for grande, quero ser professora também, disse um dia.
- Bom, isto não é uma profissão tradicional das galinhas, disse a Isolda. Para nós, as corujas, é uma coisa normal, mas para as galinhas é muito raro.
A Célia sentiu decepcionada.
- Mas, continuou a Isolda, se uma pessoa trabalha muito e é boa, consegue o que quer.
- É verdade?
- Pois, claro! Os livros da história estão cheios de histórias sobre pessoas comuns, que trabalharam muito e conseguiram tornar-se grandes. Se você trabalha muito e continua a estudar como tem estudado até agora, não vejo porque não pudesse ser uma professora de galinhas! Se a galinhas querem aprender, claro...
- Então, há livros com histórias de pessoas comuns? E de pintainhos como eu?
- De pintainhos como você não acho, disse a Isolda. Mas há livros assim, sobre pessoas comuns. Infelizmente, somente os homens têm livros. Os animais normalmente passam a história oralmente, «de boca em boca», como se diz.
- Você viu alguma vez um livro?
- Eu pertenço a uma família de filósofos e de professores: claro que tenho visto muitos livros na minha vida!
- Muitos? Onde?
- Numa biblioteca. As bibliotecas são casas cheias de livros.
Outra vez a Célia ficou com o bico aberto. Havia neste mundo casas cheias de livros, enquanto ela nunca tinha visto nem sequer um. Se pudesse ver um livro seria muito feliz mesmo.
- Onde posso eu ver um livro?
- Não sei, mas talvez a dona – como se chama...?
- Dona Elvira...
- Talvez a dona Elvira tenha livros. Quando uma pessoa tem livros, chega um dia que decide abrir um de eles.
- E que acontece depois?
- Depende do livro. Se o livro é um livro de história, por exemplo, a pessoa torna-se mais sábia. Se o livro é de literatura, pode divertir-se e querer lê-lo outra vez.
- E que significa «literatura»?
- A literatura é um tipo de arte. É a arte das palavras. Em outras palavras, todos os contos são literatura.
- Então, é literatura que a lua é um queijo?
- É o clássico tipo de literatura.
- Imagina, pensou a Célia, se o Rodrigo o soubesse! É um artista de literatura e ninguém o sabe. Todos pensam que é um animal que não vale nada, mas ele é o único artista que eu conheço!
- Não pensa em ser artista quando for grande? perguntou a Isolda. Isto seria uma catástrofe.
- Uma quê?
- Bom, a hora já passou, basta por hoje. Continuamos amanhã. Vamos trabalhar sobre o seu vocabulário. E vou explicar-lhe também o que é uma catástrofe. Ainda temos muito trabalho.


9. EFEITOS SECUNDÁRIOS DE UMA EDUCAÇÃO PRIMÁRIA


As aulas tiveram várias consequências para a Célia. Primeiro, aprendeu muitas coisas que não sabia. Aliás, aprendeu a falar de maneira educada.
- Bom dia, Rui, dizia ao Rui, como está hoje?
- Bom dia, Bea, dizia à Bea, não lhe parece que hoje está calor?
- Bom dia, mãe, dizia à Socoro, você precisa de alguma coisa?
Esta forma nova de falar pareceu muito rara aos animais da quinta.
- Olha esta Célia, dizia o um ao outro, desde que começou as aulas fala diferente, como se fosse outra.
- Sim, respondia o outro, como se fosse outra. Como se nós não soubéssemos quem é realmente.
- Tornou-se muito arrogante.
- Isto é o que eu queria dizer.
- Que quer provar com este tipo de linguagem? Que é melhor do que nós?
- Deixa-a, se pensa que é melhor do que nós não merece a nossa atenção. Eu, na próxima vez não lhe falo.
- Eu também.
- Isto vai dar-lhe uma lição.
- Exactamente.
- Vai aprender que todos os animais merecem ser respeitados.
- Vai, sim.
Mas a Célia não dava conta do que diziam os outros animais sobre ela, porque a única coisa que a preocupava eram as suas aulas. Não queria decepcionar a sua professora. A final de contas, tinha-o prometido.
Um dia a Isolda falou-lhe da capoeira.
- Que é isto? perguntou a Célia.
- É um tipo de dança, que foi criada pelos escravos no Brasil, disse a Isolda.
- Brasil: grande país do sul do continente americano, disse a Célia, repassando uma das aulas anteriores.
- Muito bem, disse a Isolda. Esta dança foi uma maneira para os escravos praticarem artes marciais, sem o patrões perceberem. Porque os patrões achavam que os escravos cantavam e dançavam, mas eles preparavam-se para lutar.
- Muito interessante mesmo, disse a Célia. E como é esta dança?
- Pois, eu não a danço, mas posso explicar-lhe muitos dos seus movimentos.
- Gostava de aprender, disse a Célia.
Assim foi como a Célia começou as aulas da capoeira. E no início, seria uma mentira dizer que o fazia bem, porque não conseguia levantar os pés como devia. Aliás, na maioria das vezes, quando levantava um pé, perdia o seu equilíbrio e caía. Os outros animais da quinta riam-se muito, quando a viam fazer prática.
- O que estás a fazer aí? perguntavam-lhe.
- Danço capoeira, dizia ela.
- Ora essa, diziam, que mais vamos ouvir? Um pintainho que dança! Mas estás a dançar, mesmo? Porque, como vemos, estás a cair continuamente.
- Só preciso de fazer prática e vou melhorar.
- Pois, pois, mas não há outras danças para dançar? dizia um dos animais. Disseram-me que o tango é muito melhor.
Os outros animais desatavam a rir.
- A capoeira é uma arte marcial, ignorantes! dizia ela e continuava as provas.
- Arrogante! diziam os outros animais e deixavam-na em paz.
E a Célia, pouco a pouco, melhorou. E a sua dança começou a lembrar a capoeira de verdade.
- Mas porque fazes tudo isto? perguntou-lhe um pintainho. Para que te vai servir?
- O mesmo faziam os escravos no Brasil e conseguiram liberar-se dos seus patrões.
- Este Brasil não sei o que é, disse o pintainho...
- É um país, longe de aqui.
- E porque temos de liberar-nos? Não somos livres para comer, para dormir, para viver?
- Não, não somos livres. A dona Elvira pode fazer connosco qualquer coisa queira. E não nos vai perguntar se concordamos ou não.
- A dona Elvira é uma senhora muito boa e não nos vai fazer nada mau. Acho que estás louca.
- Pois eu acho que todos na quinta devíamos aprender a capoeira. Porque se for preciso escapar, devemos estar prontos.
- As aulas não te fazem bem, disse o pintainho. Ninguém quer escapar daqui. Se queres, escapa sozinha.
O pintainho foi-se embora. A Célia pensou que talvez ela tivesse errado, mas depois pensou melhor.
- Eu vou continuar. Se os outros não me percebem, o problema é seu, não meu.


10. UM ACONTECIMENTO MUITO TRISTE MESMO


- Socorro! Socorro! ouviu-se a voz do Rui, um dia, muito cedo.
- Sim! disse a Socoro, que pensou que a estava a chamar.
- Socorro! continuou o Rui.
Era muito cedo, mesmo, e a maioria dos animais estavam a dormir. Mas com os gritos do Rui, todos acordaram.
O que viram nunca o tinham esperado. Dois homens, que os animais nunca tinham visto, estavam a puxar o pobre Rui para fora da casa dos animais.
- Onde o levam? Deixem-no aqui! disseram os animais, mas os homens não perceberam.
- Ajudem-me, por favor! dizia o Rui.  
  Os animais mexeram para os dois homens. Então, um terceiro homem desconhecido entrou. O homem tinha um chicote.
- Fsssssst! ouviu-se o chicote e os animais deram dois passos para trás.
- Não deixem que me levem! disse o Rui.
Mas o terceiro homem tinha um chicote.
Os homens conseguiram levar o Rui fora da casa dos animais. A porta da casa foi fechada. Os gritos do Rui não pararam. Uma porta ouviu-se abrir, e pouco depois a porta ouviu-se fechar. A voz do Rui ouvia-se mais leve agora. Depois, ouviu-se um carro partir. Silêncio caíu fora da casa. Silêncio caíu dentro da casa também.
Os animais não sabiam o que pensar. A Célia também estava muito assustada. Porque tinham levado o Rui? Talvez porque não dava nada à dona Elvira, nem leite, nem lã, nem ouvos? Mas o Rui não lhe tinha dito que a dona Elvira amava os bons animais e que ele era um animal bom? Seria que tivesse feito alguma coisa má? Pensou que não seria boa ideia perguntar nenhum animal, porque nenhum animal saberia responder. Perguntaria a sua professora. Ela sim saberia responder.
A Isolda ouviu a notícia sem mostrar nenhum sinal de assombro.
- Porque é que o levaram? perguntou à Isolda.
- Bom, a menina talvez não tenha a idade para este tipo de conversa...
- Quero saber, disse a Célia.
- Neste caso, devo dizer que na vida acontecem coisas boas e coisas más. Já dissemos que os animais da quinta servem ao homem para lhe darem lã, leite, ouvos... Pois, não só. Os animais dão ao homem carne também.
- Que tipo de carne?
- Bom, o homem come várias coisas: come verduras, mas também come carne, e esta vem dos animais... é a sua carne que come.
- Quer dizer que um homem vai comer o Rui?
- Um homem só, não. Mas muitos, sim, eles vão comê-lo.
- Isto é terrível! disse a Célia. Mas, a dona Elvira é boa e ama os animais. Ela também come carne?
- Não vejo porque não.
- Não pode ser, disse a Célia.
- Sei que é uma coisa muito grande para poder ser percebida por um pintainho da sua idade, mas é a pura verdade, disse a Isolda.
- Não me sinto nada bem, disse então a Célia. Podemos terminar a aula aqui?
- Pois, normalmente não gosto do meu programa ser alterado, mas a menina é a minha aluna favorita. Por isto vou fazer uma excepção. Continuamos amanhã, então?
- Sim, amanhã, disse a Célia.
- Até amanhã, disse a Isolda e voou fora da casa dos animais.
A Célia não respondeu. Pobre Rui! Que sorte tão horrível para um animal que não fazia nada mal: só comia, dormia e tomava banhos.
- Estás sozinha? ouviu-se a voz do Rodrigo. A coruja partiu?
- Sim, disse ela.
- O que está a acontecer? Porque estás assim?
- Três homens levaram o Rui fora daqui, provavelmente para o comerem.
- Ah, sim, algo ouvi. O Rui o suíno, não?
A Célia acenou com a cabeça.
- Pois, alguém viu um camião onde estava este Rui, disse o Rodrigo. O camião pertencia a uma quinta de suínos que está perto da cidade.
- Então o levaram para estar com a sua família? perguntou a Célia, pronta para acreditar num milagre.
- Estás louca? disse o Rodrigo. A quinta produz carne! Levaram-no lá para matá-lo e vender a sua carne, como fazem com todos os suínos da quinta. Para um pintainho que estuda, não és nada inteligente.
A Célia não falou. A sua última esperança já tinha desaparecido. O Rui ia ser matado. Talvez já estava morto. Pobre Rui!
Naquela noite a lua tinha desaparecido também, igualmente como a última esperança da Célia...


11. GRANDES DECISÕES


No dia seguinte, todos os animais da quinta estavam muito preocupados e sérios e tranquilos. Olhavam para o posto do Rui e pensavam nele. Onde estaria agora? O que estaria a fazer?
- Eu acho, disse a Bea depois de ter pensado muito ,que queriam levá-lo ao médico para o examinar.
- Mas ele estava bem, não precisava de médico, disse a Célia.
- Talvez precisava de vacações, disse a Beti.
- Os animais não têm vacações, disse a Célia.
- Eu acho que estará numa outra quinta ainda melhor do que a «Quinta Alegria», disse a Cornélia.
- Não sejas ridícula, disse a Quiqui, não há nenhuma quinta melhor do que a nossa quinta!
- Pois, disse a Célia, todos estão errados. Eu fiquei a saber que o Rui foi levado para uma outra quinta...
- Ei-lo, disse a Cornélia.
- ... mas não para estar melhor. Essa quinta é uma quinta de suínos e levaram-no lá para depois o matarem.
- Que bobagem! Ninguém mata os animais bons!
- Somente as raposas, disse a Quiqui.
- E os lobos, disse a Beatrice.
- E, talvez, os leões, disse a Mulata.
- Por favor, disse a Célia, ouçam-me! Não é bobagem, é verdade, vão matar o Rui pela sua carne! Os homens comem carne de suíno!
- Não!
- Sim! Disse-mo a minha professora, que sabe tudo.
- Não será uma mentira, então?
- Não, infelizmente é a pura verdade.
- E os homens comem carne de vaca também? perguntou a Mulata depois de pouco.
- Sim, e comem carne de ovelha também, disse a Célia.
- Que barbaridade! disseram a Bea, a Beti e a Berenice.
Os animais ficaram muito pensativos e ninguém falou mais. A Célia estava muito cansada e retirou-se no seu cantinho. Um pintainho aproximou-se dela.
- Eu também quero aprender a dançar capoeira, disse-lhe.

Assim foi como os animais começaram a aprender capoeira. Primeiro começaram os pintainhos, e depois começaram os outros animais da quinta também. E foi muito difícil para eles também, difícil como o tinha sido para a Célia, quando começou as aulas. E praticavam muitas horas cada dia, porque sentiam que não tinham bastante tempo para se prepararem.
Aliás, o Paulo informou-os que a dona Elvira tinha muitos problemas financiais e pensava vender a quinta. Mas ninguém sabia responder: Ia vender a quinta com os animais ou sem eles? Os animais decidiram escapar.
- Temos de praticar mais, disseram.
E continuaram a praticar. E praticavam, e praticavam...
- O que estão a fazer aqui? perguntou o Paulo, um dia que os viu todos juntos, pés para cima, cabeças para baixo.
- Estamos a aprender capoeira.
- E para que a aprendem?
- Porque vamos escapar, disse um pintainho.
- Eu não vos deixo, disse então o Paulo. Vou avisar a dona Elvira.
- Tu és um animal como nós, não és um ser humano, como a dona Elvira, tens de ajudar-nos então.
- Não vou ajudar ninguém. O meu trabalho é guardar-vos e isto vou fazer. Deixem, então, os planos de escape. Já falei.
Os animais pensaram que o Paulo, que era o espião oficial da dona Elvira na quinta, devia ser deixado às escuras, quanto ao seu plano de escape, e decidiram não dizer-lhe nada mais sobre este assunto.
E os dias passavam...
Seria mentira dizer que os animais sabiam exactamente quando iam escapar. A Mulata dizia que devia ser numa noite sem lua, para não poderem ser vistos, a Célia dizia que devia haver lua, senão não poderiam ver onde andavam.
- Devemos ter um chefe, disse a Bea.
- Por favor, minhas senhoras, disse o Riqui, mas acho que o chefe da quinta sou eu.
- Sim, disseram as galinhas.
A Bea não disse nada mais, em fim era somente uma ovelha.
- Ai, Dios mio, disse a Socoro, quando deixei o meu país, nunca tinha imaginado que tibesse de ir-me embora outra bez.
- Eu acho que devíamos saber aonde vamos, disse a Berenice, mas a verdade é que não fazemos a mínima ideia.
- Eu sei, disse a Célia. Perto da aldeia, onde está a nossa quinta, há um bosque...
- Um bosque? disse a Beti. Mas no bosque há lobos!
- A minha professora disse-me que neste bosque só há raposas...
- Raposas? Dios mio! disse a Socoro. Eu, entonces quero ficar na quinta!
- Pois é, disse a Quiqui. A verdade é que não estamos mal aqui.
- Mas estaremos todos juntos, disse a Célia, e vamos proteger uns aos outros. Aliás, agora sabemos capoeira.
- Boa consolação! disse a Coco. Pois eu não gosto de ser comida por uma raposa!
- Achas melhor ser comida pela dona Elvira ou por um outro ser humano, então? perguntou-lhe a Célia.
- Em fim, disse a Coco. Vou partir junto a vocês.


12. UMA NOITE DE MEIA-LUA


E chegou uma noite com meia-lua, para satisfazer aqueles que queriam escuridade absoluta e aqueles que queriam luz, e os animais decidiram que a hora do escape tinha chegado. Mas não disseram nada, e foram para dormir, como costumavam fazer todas as noites.
Esperaram até não ouvir nenhum som e depois começaram. Esqueci-me dizer que a Célia tinha pedido para o Rodrigo ajudá-los, e ele tinha chegado com a família toda e com alguns amigos. As ratas roeram tudo o que podiam roer e a porta da casa encheu-se de buracos. Depois, a Mulata, usando toda a sua força, empurrou-a e conseguiu rompê-la. O caminho estava bem aberto.
- Por aqui, disse a Célia.
Os animais seguiram-na.
- O que estão a fazer aqui? ouviu-se de repente a voz do Paulo.
Os animais ficaram imóveis.
- Não vos disse eu para não escaparem?
- Coragem, irmãos! disse o Rodrigo.
- Pois este é o ladrão?
- O Rodrigo não é ladrão! disse a Célia. Quantas vezes devo dizê-lo?
- E eu quantas vezes devo dizer que não vou permitir que saiam daqui?
- Nós queremos ser livres, disse a Mulata.
- Sim, disseram os outros animais também, queremos ser livres!
- Pois é? Agora mesmo vou eu avisar a dona Elvira e o Vitorino e vocês vão ver o que acontece quando não obedecem às autoridades.
E começou a ladrar. Os animais então começaram a correr.
- Venham cá! disse o Paulo. Onde vão? Venham cá!
A dona Elvira estava no seu quarto. Estava a ler um romance. Estava quase a terminá-lo. Mas não o terminou porque ouviu os latidos do Paulo. Deixou de ler e levantou-se da sua cama.
- O que está a acontecer? pensou. Porque o Paulo ladra assim? Vitorino!
O Vitorino estava a ouvir uma partida de futebol na rádio.
- Vitorino! disse outra vez a dona Elvira.
- À sua disposição, patroa, disse o Vitorino e saíu do seu quarto.
- Vamos à casa dos animais, o Paulo está a ladrar como nunca tem ladrado. Algo acontece. Algo mau, suponho.
Os  dois foram para a casa dos animais. O Iguazú seguiu-os, porque a dona Elvira deixou a porta aberta.
- Nossa! dizia o Iguazú.
Entretanto, os animais tinham chegado à porta da quinta. Mas, lá havia um problema: a porta da quinta não era de madeira, era de metal, e o Rodrigo e os seus não podiam ajudar. As galinhas e os pintainhos conseguiram sair através dos buracos da porta, mas a Mulata, a Bea, a Beti e a Berenice não podiam sair.
- O que vamos fazer agora? perguntou a Bea.
- Talvez a Mulata possa partir a porta a pontapés, disse a Célia.
A Mulata deu um pontapé à porta, mas não conseguiu nada.
- Prova outra vez, disse a Célia.
- Não posso, disse a Mulata, dói-me o pé.
- Por favor, mais uma vez! disse-lhe a Bea.
A Mulata provou mais uma vez. A porta ficou onde estava.
- É impossível, disse a Mulata. Esta porta é muito forte.
- E agora?
- Vamos voltar, disse a Bea. Vamos voltar à nossa casa e ninguém vai saber nada.
- Eu não quero voltar, disse um pintainho.
- Podemos irmos embora nós, disse o Riqui, e voltar uma outra noite com um plano melhor, para liberar os outros animais.
- Não, disse a Célia, estamos todos juntos. Ou partimos juntos ou ficamos juntos.
- Dios mio, disse a Socoro, a dona Elbira e o Bitorino estão aqui!
- Nossa! ouviu-se a voz do Iguazú.

A dona Elvira e o Vitorino nunca esperavam ver o que viram. Nunca esperavam ver os animais escapar.
- Não posso acreditar nos meus olhos, disse o Vitorino. Estes animais iam escapar!
A dona Elvira não sabia o que dizer.
- Nossa! disse o Iguazú.
Os animais estavam petrificados.
- E agora, o que fazemos? perguntou a Berenice.
- Agora vai haver justiça, disse o Paulo.
- Nada está perdido ainda, disse a Célia. Não se lembram? Nós sabemos capoeira!
Sim, era verdade. Eles sabiam capoeira.
- Vamos, então, disse a Célia. Vamos dançar!
Se o Vitorino não podia acreditar nos seus olhos quando viu que os animais estavam a escapar, agora ficou completamente estupefacto.
- O que estão a fazer agora? perguntou.
- Não sei, disse a dona Elvira. Que posturas tão estúpidas! Que movimentos tão raros! Estarão doentes?
- Nossa! disse o Iguazú. Capoeira!
- O quê? disse o Vitorino. Será que dançam capoeira?
- Capoeira! disse outra vez o Iguazú. Coisa boa!
- Agora que o vejo melhor, disse a dona Elvira, parece ser um tipo de dança. Mas, capoeira não sei...
- Vem, Paulo, disse o Vitorino ao Paulo, ajuda-me para levar estes animais loucos para a sua casa. Vamos, vamos!
Foi muito tarde quando o Vitorino conseguiu levar todos os animais à casa. Depois, tive de reparar a porta partida e isto levou-lhe mais três horas.
- Temos de comprar uma porta de metal para a casa dos animais, disse à dona Elvira.


13. UMA IDEIA COM FUTURO


No dia seguinte, o Vitorino estava a pensar. E isto, devo dizê-lo, não era uma coisa comum, porque o Vitorino não gostava de pensar. Mas os acontecimentos do dia anterior tinham sido muito impressionantes para ele. Nunca podia imaginar que os animais pudessem dançar capoeira. Ninguém ia acreditá-lo.
A dona Elvira entrou, muito preocupada.
- Vitorino, filho, acho que tenho de vender a quinta. O dinheiro que me deram pelo Rui não foi suficiente para pagar tudo o que devia. Os gastos da quinta são cada vez maiores. Agora tenho de comprar uma porta nova para a casa dos animais. Infelizmente, não vejo nenhuma outra solução. Tu também tens de encontrar um outro trabalho. Eu não tenho bastante dinheiro para ter empregados. Aliás, sou velha e não posso trabalhar como dantes... Sinto muito, filho.
O Vitorino ficou muito triste. A dona Elvira era uma boa patroa e tratava-o como um filho. Onde ia encontrar um outro trabalho? Talvez tivesse de ir-se embora. Talvez tivesse de deixar a sua querida aldeia. Mas naquele mesmo momento, uma luz acendeu na sua cabeça: teve uma ideia. Porque vender uma quinta com animais que dançavam capoeira?

A notícia, que na quinta da dona Elvira os animais dançavam capoeira, correu pela aldeia toda. Todos passaram por lá e todos ficaram maravilhados.
- Que espectáculo! disseram.
- O mundo inteiro deve ver estes animais maravilhosos, disse o Vitorino à dona Elvira. Todos o dizem. A senhora vai ver: todos vão querer vê-los, e todos vão pagar bilhete. A senhora nunca mais deverá vender a quinta.
E assim foi feito. A quinta da dona Elvira tornou-se muito famosa, e os seus animais tornaram-se muito famosos também. Pessoas de todo o mundo iam à quinta para ver o espectáculo, e todas saíam satisfeitas.
A dona Elvira e o Vitorino ganharam muito dinheiro. Os animais da quinta sempre tinham a melhor comida, tanta comida que bastava também para o Rodrigo e todos os seus.
E a Célia? O que aconteceu com a Célia? Pois, a Célia tornou-se uma galinha inteligente, e quando teve filhos próprios, sempre respondia às perguntas dos seus pintainhos. E, obviamente, ensinou-lhes a dançar a capoeira.




                                                                        FIM