sábado, 10 de maio de 2014

3. Um encontro nocturno



O dia passou e chegou a noite. Chegou como chegam todas as noites, muito escura e um pouco fria. As galinhas, junto aos pintainhos, acostaram-se uma ao lado da outra, e muito pronto estavam a dormir. Os outros animais acostaram-se também. Mas a Célia não.
Ela não podia dormir. E como podia dormir, quando havia tantas perguntas dentro da sua cabecinha? A luz da lua entrava na capoeira por uma janelinha pequena, e por aquela janelinha, a Célia podia ver uma pequena parte do céu da noite. Era um céu muito diferente do céu do dia, cheio de pequenas luzes.
- Que bonito! pensou a Célia e sentiu a vontade de compartir o seu assombro, mas na capoeira todos estavam a dormir e não havia ninguém para compartir nada com ela.
Suspirou decepcionada. Sentiu que estava sozinha no mundo. Mas, naquele mesmo momento, ouviu um som, pft-pft-pft. O som repetiu-se muitas vezes. O que havia aí?
Muito pronto, um animal pequeno, mas não tão pequeno como a Célia, apareceu na escuridão.
- Quem está aí? perguntou a Célia, que - para dizer toda a verdade – tinha um pouco de medo.
O animal ficou imóvel um bocadinho, depois começou a mexer outra vez.
- Quem está aí? repetiu a Célia.
O animal parou outra vez.
- Quem quer saber? perguntou.
- Sou eu, disse a Célia, aqui cima.
- Ah, disse o animal, um pintainho... Mas porque não estás a dormir? Todos dormem a estas horas.
- Tu não dormes, disse a Célia, que pouco a pouco estava a ganhar confiança.
- Pois, disse o animal. Eu não sou pintainho.
- E que es, então?
- Sou rata, disse o animal que era rata.
- E quantas patas tens? perguntou  a Célia.
- Pois, se não me equivoco, tenho quatro.
- E porque é que tens quatro patas? perguntou a Célia.
- E quantas patas devia ter? perguntou a rata estranhada.
- Sei lá, duas...
- Pois, disse a rata, nunca pensei nisto, mas acho que uma rata com duas patas seria pior do que uma rata com quatro...
- Eu tenho duas patas e estou perfeitamente bem.
- Sim, mas tu es pintainho... Os pintainhos têm duas patas. Quatro patas seriam muitas para um pintainho só, acho eu.
A Célia ficou um bocadinho pensativa.
- E o que estás a fazer aqui? perguntou.
- Estou à procura de comida, disse a rata. Aqui a comida é abundante, sobra para mim também.
- Es um ladrão, então, disse a Célia. Porque quando tomas aquilo que ninguém te deu, es um ladrão.
- Não, disse a rata, isto se chama justiça social. Tomo daqueles que têm e dou àqueles que não têm.
- Mesmo assim... começou a dizer a Célia, mas a rata interrompeu-a.
- Anda a dormir, agora, porque não tenho toda a noite...
- Mas...
- Silêncio! disse a rata.
A Célia não disse nada mais.
- Que pintainho tão raro! disse a rata para si mesma. Tantas perguntas... Mesmo se fosse um ser humano!
E foi a comer.
E a Célia, muito cansada, por fim conseguiu dormir.

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