O dia passou e chegou a noite. Chegou como
chegam todas as noites, muito escura e um pouco fria. As galinhas, junto aos
pintainhos, acostaram-se uma ao lado da outra, e muito pronto estavam a dormir.
Os outros animais acostaram-se também. Mas a Célia não.
Ela não podia dormir. E como podia dormir,
quando havia tantas perguntas dentro da sua cabecinha? A luz da lua entrava na
capoeira por uma janelinha pequena, e por aquela janelinha, a Célia podia ver
uma pequena parte do céu da noite. Era um céu muito diferente do céu do dia,
cheio de pequenas luzes.
- Que bonito! pensou a Célia e sentiu a
vontade de compartir o seu assombro, mas na capoeira todos estavam a dormir e
não havia ninguém para compartir nada com ela.
Suspirou decepcionada. Sentiu que estava
sozinha no mundo. Mas, naquele mesmo momento, ouviu um som, pft-pft-pft. O som
repetiu-se muitas vezes. O que havia aí?
Muito pronto, um animal pequeno, mas não
tão pequeno como a Célia, apareceu na escuridão.
- Quem está aí? perguntou a Célia, que -
para dizer toda a verdade – tinha um pouco de medo.
O animal ficou imóvel um bocadinho, depois
começou a mexer outra vez.
- Quem está aí? repetiu a Célia.
O animal parou outra vez.
- Quem quer saber? perguntou.
- Sou eu, disse a Célia, aqui cima.
- Ah, disse o animal, um pintainho... Mas
porque não estás a dormir? Todos dormem a estas horas.
- Tu não dormes, disse a Célia, que pouco
a pouco estava a ganhar confiança.
- Pois, disse o animal. Eu não sou
pintainho.
- E que es, então?
- Sou rata, disse o animal que era rata.
- E quantas patas tens? perguntou a Célia.
- Pois, se não me equivoco, tenho quatro.
- E porque é que tens quatro patas?
perguntou a Célia.
- E quantas patas devia ter? perguntou a
rata estranhada.
- Sei lá, duas...
- Pois, disse a rata, nunca pensei nisto,
mas acho que uma rata com duas patas seria pior do que uma rata com quatro...
- Eu tenho duas patas e estou
perfeitamente bem.
- Sim, mas tu es pintainho... Os
pintainhos têm duas patas. Quatro patas seriam muitas para um pintainho só,
acho eu.
A Célia ficou um bocadinho pensativa.
- E o que estás a fazer aqui? perguntou.
- Estou à procura de comida, disse a rata.
Aqui a comida é abundante, sobra para mim também.
- Es um ladrão, então, disse a Célia.
Porque quando tomas aquilo que ninguém te deu, es um ladrão.
- Não, disse a rata, isto se chama justiça
social. Tomo daqueles que têm e dou àqueles que não têm.
- Mesmo assim... começou a dizer a Célia,
mas a rata interrompeu-a.
- Anda a dormir, agora, porque não tenho
toda a noite...
- Mas...
- Silêncio! disse a rata.
A Célia não disse nada mais.
- Que pintainho tão raro! disse a rata
para si mesma. Tantas perguntas... Mesmo se fosse um ser humano!
E foi a comer.
E a Célia, muito cansada, por fim
conseguiu dormir.
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