As aulas tiveram várias consequências para
a Célia. Primeiro, aprendeu muitas coisas que não sabia. Aliás, aprendeu a falar
de maneira educada.
- Bom dia, Rui, dizia ao Rui, como está
hoje?
- Bom dia, Bea, dizia à Bea, não lhe
parece que hoje está calor?
- Bom dia, mãe, dizia à Socoro, você
precisa de alguma coisa?
Esta forma nova de falar pareceu muito
rara aos animais da quinta.
- Olha esta Célia, dizia o um ao outro,
desde que começou as aulas fala diferente, como se fosse outra.
- Sim, respondia o outro, como se fosse
outra. Como se nós não soubéssemos quem é realmente.
- Tornou-se muito arrogante.
- Isto é o que eu queria dizer.
- Que quer provar com este tipo de
linguagem? Que é melhor do que nós?
- Deixa-a, se pensa que é melhor do que
nós não merece a nossa atenção. Eu, na próxima vez não lhe falo.
- Eu também.
- Isto vai dar-lhe uma lição.
- Exactamente.
- Vai aprender que todos os animais
merecem ser respeitados.
- Vai, sim.
Mas a Célia não dava conta do que diziam
os outros animais sobre ela, porque a única coisa que a preocupava eram as suas
aulas. Não queria decepcionar a sua professora. A final de contas, tinha-o
prometido.
Um dia a Isolda falou-lhe da capoeira.
- Que é isto? perguntou a Célia.
- É um tipo de dança, que foi criada pelos
escravos no Brasil, disse a Isolda.
- Brasil: grande país do sul do continente
americano, disse a Célia, repassando uma das aulas anteriores.
- Muito bem, disse a Isolda. Esta dança
foi uma maneira para os escravos praticarem artes marciais, sem o patrões perceberem.
Porque os patrões achavam que os escravos cantavam e dançavam, mas eles
preparavam-se para lutar.
- Muito interessante mesmo, disse a Célia.
E como é esta dança?
- Pois, eu não a danço, mas posso explicar-lhe
muitos dos seus movimentos.
- Gostava de aprender, disse a Célia.
Assim foi como a Célia começou as aulas da
capoeira. E no início, seria uma mentira dizer que o fazia bem, porque não
conseguia levantar os pés como devia. Aliás, na maioria das vezes, quando
levantava um pé, perdia o seu equilíbrio e caía. Os outros animais da quinta
riam-se muito, quando a viam fazer prática.
- O que estás a fazer aí? perguntavam-lhe.
- Danço capoeira, dizia ela.
- Ora essa, diziam, que mais vamos ouvir?
Um pintainho que dança! Mas estás a dançar, mesmo? Porque, como vemos, estás a
cair continuamente.
- Só preciso de fazer prática e vou
melhorar.
- Pois, pois, mas não há outras danças
para dançar? dizia um dos animais. Disseram-me que o tango é muito melhor.
Os outros animais desatavam a rir.
- A capoeira é uma arte marcial, ignorantes!
dizia ela e continuava as provas.
- Arrogante! diziam os outros animais e
deixavam-na em paz.
E a Célia, pouco a pouco, melhorou. E a
sua dança começou a lembrar a capoeira de verdade.
- Mas porque fazes tudo isto?
perguntou-lhe um pintainho. Para que te vai servir?
- O mesmo faziam os escravos no Brasil e
conseguiram liberar-se dos seus patrões.
- Este Brasil não sei o que é, disse o pintainho...
- É um país, longe de aqui.
- E porque temos de liberar-nos? Não somos
livres para comer, para dormir, para viver?
- Não, não somos livres. A dona Elvira
pode fazer connosco qualquer coisa queira. E não nos vai perguntar se
concordamos ou não.
- A dona Elvira é uma senhora muito boa e não
nos vai fazer nada mau. Acho que estás louca.
- Pois eu acho que todos na quinta devíamos
aprender a capoeira. Porque se for preciso escapar, devemos estar prontos.
- As aulas não te fazem bem, disse o
pintainho. Ninguém quer escapar daqui. Se queres, escapa sozinha.
O pintainho foi-se embora. A Célia pensou
que talvez ela tivesse errado, mas depois pensou melhor.
- Eu vou continuar. Se os outros não me
percebem, o problema é seu, não meu.
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